Necrópole Islâmica de Beja




Reportagem: À procura de ossos em Beja (vídeo)
26-02-2011
Por Joana Tadeu

Raquel Santos e a equipa de arqueologia da empresa Neoépica foram contratados pela Parque Escolar, um projecto de modernização da rede pública de escolas secundárias, para acompanhar as obras da Escola Secundária Diogo Gouveia, em Beja. O edifício já antigo e a localização dos trabalhos - no centro da cidade alentejana - faziam prever a necessidade de apoio arqueológico. Mas a descoberta foi surpreendente: a maior necrópole islâmica do país.
Em Novembro de 2009 encontraram o primeiro achado. Um silo com cerca de 500 anos, utilizado para depósito de cereais e, depois de inactivo, para lixeira, que atravessava um cemitério islâmico com cerca de mil anos e de onde já foram recolhidos 250 esqueletos.
Maria Luís, antropóloga, foi imediatamente chamada à escavação.
“Só os antropólogos podem levantar ossadas humanas”, explica Raquel
Santos. Os indivíduos tinham sido enterrados deitados de lado, em
sepulturas muito estreitas e compridas. “Também encontrámos alguns
enterramentos cristãos, onde surgem deitados de costas, como é para nós habitual”, diz a arqueóloga.
“Os enterramentos são exumados, etiquetados pela especialista que os identifica e depois são trazidos para a nossa empresa, limpos e armazenados”, continua. Nos cemitérios islâmicos não se encontram espólios, porque não fazia parte da cultura enterrar os entes queridos com objectos familiares. “Mas os silos são um óptimo sítio para recolher peças de cerâmica e ferramentas usadas”, conclui Raquel Santos.
Quantos corpos estão naquele armazém? Os arqueólogos nunca fizeram as contas. E não têm medo de maldições? “Não somos supersticiosos. Não podemos ser!”, diz. “Mas às vezes...”, hesita a arqueóloga: “às vezes há enterramentos que puxam pelos nossos sentimentos. Somos muito frios no nosso trabalho, mas quando se encontra uma mãe enterrada com o seu bebé recém-nascido é difícil ficar indiferente”, relembra a arqueóloga.
Quando encontra apenas algumas ossadas, a equipa dá nomes aos indivíduos desenterrados. “Normalmente é, por brincadeira, o nome de alguém da equipa ou então de um arqueólogo famoso”, explicam.
Alguns ficam para a história: em Cascais a equipa encontrou um esqueleto que segurava na mão esquerda um instrumento de trabalho igual a um utilizado na arqueologia. “Desse nunca mais nos vamos esquecer”, conta Nuno Neto, membro da equipa. “O dono da obra disse que era o último arqueólogo que lá tinha andado a escavar”.
O tamanho do cemitério e o número de indivíduos enterrados nunca serão conhecidos, porque não é possível escavar uma necrópole completa, apenas o local em obras. Até porque quem financia, quase na totalidade, o trabalho arqueológico, são as empresas de construção civil.
“É a lógica do poluidor-pagador: quem perturba os vestígios arqueológicos financia a sua salvaguarda”, diz a especialista. O trabalho tem de ser simbiótico: “A obra não pára por nossa causa, só mudam de sítio os trabalhos e atrasa-se sempre um bocadinho.” Estes, estão mesmo para terminar. Em Março, a equipa Neoépica arruma as ferramentas e acaba o trabalho de campo.
Depois escreve-se um relatório com fotografias ou desenhos de tudo o que foi recolhido. Limpar, etiquetar, descrever e conservar tudo em invólucros individuais. Algumas peças - jarros, taças e lamparinas ou ferramentas feitas de ossos de animais- irão para exposição na escola Diogo Gouveia. Mas os esqueletos não.
“Não sabemos quem vai ver os enterramentos e vai ficar impressionado. Não é boa ideia expor esqueletos de pessoas reais numa escola. Talvez alguns placares com fotografias e informações”, diz Raquel Santos.
Mas manter as peças como são descobertas não é fácil, até porque arranjar espaço e maneira de as conservar e armazenar é cada vez mais complicado. Paulo Rebelo, arqueólogo da empresa explica: “Até já há quem proponha voltar a enterrar os espólios!” 

Cerâmicas Medievais do Alto do Cidreira - Cascais

Poster apresentado no encontro O Garb Al-Ândalus - Problemáticas e Novos Contributos em Torno da Cerâmica. Organizado pelo Campo Arqueológico de Mértola, e realizado nos dias 15 a 16 de Maio de 2009 em Mértola.  

Localização e contexto

O conjunto cerâmico agora apresentado foi recolhido durante os trabalhos arqueológicos levados a cabo na Zona Especial de Protecção da villa romana do Alto do Cidreira, situada em Carrascal de Alvide, freguesia de Alcabideche, Concelho de Cascais, e localizada na Carta Militar de Portugal nº 429 – Cascais.

Esta é uma zona que apresenta vestígios de ocupação humana desde o Neolítico/ Calcolítico, com particular incidência na época romana. A época medieval está representada pela ermida de Nossa Sra. do Bom Sucesso e pelos silos agora identificados.

Os trabalhos de campo foram iniciados com a abertura de valas de diagnóstico mecânicas que cortaram o terreno, permitindo a obtenção da estratigrafia do local e a detecção expedita de possíveis vestígios arqueológicos, escavados manualmente em seguida. Os materiais em estudo correspondem à zona designada por Alto do Cidreira III, uma dos cinco áreas intervencionadas pela empresa NeoÉpica Lda. entre Abril e Novembro de 2007. Com a abertura das valas diagnóstico neste sector foram detectadas algumas interfaces de estruturas negativas escavadas no substrato geológico, as quais ditaram o alargamento da área sondada para cerca de 70m2, escavando-se manualmente as cinco interfaces aí identificadas.

Os silos

Todos os silos apresentam uma forma irregular com tendência circular e com perfis tendencialmente sub-hemisféricos de fundo plano, à excepção de um que apresenta perfil tipo saco.

Os silos [802], [803] e [804] foram, após o seu abandono, utilizados como lixeiras, surgindo material cerâmico pertencente a recipientes de armazenamento e confecção de alimentos e sobretudo material de construção como telha e tijolo. A par deste material surgiu ainda escasso material malacológico e osteológico. O silo [804] foi o que revelou um maior número de material arqueológico, surgindo inclusive junto ao fundo um enterramento de cão em conexão anatómica.

Os silos [805] e [806] foram, quase exclusivamente, preenchidos com pedras, algumas delas aparelhadas, indiciando apenas a preocupação de os encher o mais rápido possível, não revelando praticamente nenhum material arqueológico excepto alguns fragmentos de telha e tijolo.

As cerâmicas

No decurso da escavação manual dos cinco silos detectados no Alto do Cidreira III foram recolhidas cerca de cinco centenas de fragmentos cerâmicos, bem como material osteológico, malacológico e ainda algum espólio metálico em número reduzido. O registo de cerâmica romana é representado por fragmentos de terra sigillata africana e de terra sigillata Sud-Gálica, tratando-se de pequenos fragmentos em depósito secundário, possivelmente provenientes da villa romana situada nas proximidades. Da totalidade do espólio recolhido foram seleccionados para este estudo os 26 números de inventário referentes a cerâmica de cronologia medieval: dois conjuntos de telha, um composto por 16 fragmentos e outro por mais de 50, ambos com alguns elementos ostentando decoração penteada e digitada; um conjunto de mais de 50 fragmentos de tipologia indeterminada sem qualquer tipo de decoração; 9 fragmentos de tipologia indeterminável com decoração pintada; e os restantes correspondentes a peças de tipologia identificável, uma delas com decoração.

Em relação à tipologia dos materiais arqueológicos identificados, trata-se sobretudo de recipientes de cozinha, nomeadamente uma candeia, três cântaros, uma jarra, um jarro, sete panelas e cinco taças. Algumas destas peças ostentam pintura a branco, vermelho ou cinzento sobre engobe acastanhado.

No que diz respeito às cronologias, surgem cerâmicas datáveis desde o século IX até aos séculos X/XI. Destacam-se uma panela de bojo globular com bordo extrovertido, com paralelo em Palmela em níveis datáveis do século IX/X, sete fragmentos de recipientes decorados com bandas horizontais, verticais e ondulantes, pintadas a branco ou vermelho, integrados também em Palmela em contextos idênticos, referentes aos séculos IX e X (FERNANDES, 2004, p.184); também um fragmento com decoração em tons de cinzento, com paralelos a partir de meados do século XI no Algarve oriental (CATARINO, 1998, Vol. II, p.824) e em Silves, com datações que recuam aos séculos VIII e IX (GOMES R. V., 1988, p.90-92). Com excepção de um cântaro, todos os outros fragmentos pintados se resumem a fragmentos amorfos cuja tipologia não foi possível identificar, com cronologias que remontam possivelmente aos séculos IX e X.

Conclusões

Os vestígios de materiais de tradição islâmica estão relativamente bem representados, embora a sua maioria não permita a identificação tipológica dos mesmos.

O seu enquadramento cronológico é difícil, uma vez que a totalidade do espólio cerâmico exumado é constituída por utensílios de utilização comum, de elaboração regional e de larga prevalência temporal. Podemos contudo situá-los, grosso modo, entre os séculos IX e XI.

O aparecimento de materiais de cronologia romana no interior dos silos deve-se à proximidade destes com a villa romana do Alto do Cidreira, que se desenvolve a Oeste do local alvo de intervenção.

A freguesia de Alcabideche, assim como as restantes que compõem o Concelho de Cascais é rica em vestígios de ocupação humana. Desde o Neolítico/Calcolítico e ao longo dos séculos, o Concelho foi intensamente ocupado, sendo a maior parte dos vestígios arqueológicos referentes a épocas mais recuadas. Neste cenário, o conjunto estudado apresenta-se relevante para a compreensão da influência islâmica na área de Cascais.

Poster diversas intervenções

Poster referente a diversas intervenções de salvaguarda e minimização de impactes no âmbito da implantação da rede de rega de Alqueva.