Sítio de Corça 2, Serpa


Paulo Rebelo, Raquel Santos, Nuno Neto, Miguel Rocha

O sítio de Corça 2 localiza-se na freguesia de Pias, Concelho de Serpa, estando implantado na Carta Militar de Portugal nº 512, (escala 1/25 000), com as coordenadas UTM 25497 1837. Situa-se junto ao Bloco das Amoreiras e do Bloco José dos Olhos, numa encosta orientada sensivelmente Este-Oeste.
Do ponto de vista geológico, o local alvo de intervenção encontra-se situado numa área de argilas, margas, calcários e conglomerados formados no Miocénico, tendo sido os silos/fossas escavados nas margas que se desenvolvem naquela área. A NO desenvolvem-se terraços fluviais e depósitos de vertente, surgindo a oeste da jazida conglomerados, arenitos, margas com congressões calcárias e argilas. Igualmente a oeste desenvolve-se o complexo vulcano-sedimental do Ficalho, onde surgem metavulcanitos básicos (Basaltos, calco-xistos, tufos) e ácidos, bem como mármores e calcários dolomíticos.
Os contextos intervencionados fora identificados pela equipa de acompanhamento arqueológico dos trabalhos de construção da barragem da Amoreira (Serpa), caracterizam-se por algumas estruturas negativas, escavadas no substrato geológico e intervencionadas em duas fases distintas, em Junho e Agosto de 2008.
Na primeira fase, havia sido ainda identificada apenas uma das estruturas existentes. A sua escavação colocou a descoberto um enterramento humano de adulto, em posição fetal, no interior de uma estrutura negativa tipo “silo”, coberto por sedimento e blocos de grandes dimensões de quartzo.
Acompanhado de apenas quatro fragmentos cerâmicos de tipologia não identificável, duas lascas, três núcleos de quartzo e um percutor em quartzito. Este último apresentava vestígios de contacto directo com o fogo, bem como, pela posição em que se situava e tendo em conta o contexto de inumação a que se encontrava associado, pode indiciar que podemos estar perante uma oferta ritual. É ainda de destacar, de um pequeno fragmento cerâmico, amorfo, que evidencia uma decoração em ornatos brunidos (retícula brunida) na superfície externa. Contudo, a sua leitura não é clara, podendo se tratar de um fragmento de cerâmica brunida associada não a contextos da Idade do Bronze, mas a época Calcolítica. No entanto, a datação absoluta obtida enquadra a inumação em 2950±50 BP, ou seja, associada ao Bronze final.
Na segunda fase dos trabalhos foram escavadas duas bolsas em negativo, em cujos enchimentos se recolheu escasso material arqueológico, cuja análise aponta para uma cronologia atribuível ao período Bronze pleno/final.
Assim, inventariaram-se nove fragmentos cerâmicos. Três não permitiram um enquadramento tipológico: dois fragmentos amorfos de parede e um fragmento de pega. Os restantes fragmentos referem-se a porções de bordos, o que levou a uma melhor análise formal. Dois dos fragmentos são de pequenas dimensões, o que leva a que sua tipologia suscite algumas dúvidas, referimo-nos a um esférico e uma taça hemisférica, ambos pertencentes a formas com uma larga pervivência ao longo da Pré-história recente. Já os restantes elementos permitem um melhor enquadramento. Dois deles pertencem a pratos de bordo almendrado, formas relativamente comuns no Calcolítico, perdurando até ao Bronze pleno (CARREIRA, 1994, p. 66). De resto surgem dois fragmentos de taças carenadas, um de carena alta e outro de carena média/baixa, tipologias enquadráveis no Bronze pleno e final. Podemos encontrar paralelos para estes materiais em necrópoles da Idade do Bronze como a da Vinha do Casão (GOMES, et alli, 1986) e da Alfarrobeira (GOMES, 1994) na região de Silves, bem como na necrópole do Pessegueiro na região de Sines (SILVA, SOARES, 1979). Este tipo de artefactos cerâmicos surge igualmente em contexto de habitats como o Abrigo Grande das Bocas na Estremadura (CARREIRA, 1994) e a Cerradinha em Santiago do Cacém (SILVA, SOARES, 1978).
No que diz respeito ao pacote artefactual em pedra lascada, é relativamente homogéneo, sendo a matéria-prima, à excepção de uma lasca tipo “gomo de laranja” em quartzito e quatro elementos classificados como restos de talhe em quartzo hialino, é na sua quase totalidade em quartzo, matéria-prima abundante no local. No que diz respeito às tipologias identificadas estas não permitem um claro enquadramento crono-cultural. Surgem vários núcleos de lascas, na sua maioria poliédricos, um de tendência prismática com apenas uma plataforma de percussão, bem como uma lasca cortical, provavelmente fractura de um núcleo centrípeto. Os núcleos identificados destinavam-se à produção de lascas, não se tendo registado a presença de suportes destinados à obtenção de produtos alongados lâminas ou lamelas. Nota-se igualmente a presença de vários restos de talhe e lascas corticais.
Registou-se igualmente um percutor/bola, de semelhanças morfo-tipológicas muito idênticas aos recolhidos em jazidas da Idade do Bronze como por exemplo a necrópole da Vinha do Casão (GOMES, 1986); e em contextos de habitat em Entre Águas 5 (Serpa), sítio do Bronze final relativamente próximo (SANTOS, et al., 2009). Sendo no entanto de sublinhar que esta tipologia surge frequentemente em contextos Neo-Calcolíticos, como no povoado do Porto Torrão (Ferreira do Alentejo).
Os trabalhos de minimização de impactes sobre o património cultural por parte da EDIA S.A., têm permitido colocar a descoberto na região várias realidades que se podem enquadrar dentro do mesmo tipo de contexto intervencionado agora em Corça 2.
Este tipo ocupação é relativamente comum na região, surgindo por exemplo no Monte da Pita 5 e 6 (Beringel), na Pedreira de Trigaches 2 (Beja), Horta do Albardão 3 (Évora), Monte Cabido 3 (Évora), apresentando normalmente um espólio pobre, geralmente integrável entre o III e o II milénio a.C. Destaca-se o Casarão da Mesquita 3 (Évora) onde foram intervencionadas 49 fossas de perfil oval, duas apresentando inumações em decúbito lateral, associadas a espólio típico da Idade do Bronze: elementos de foice e cerâmica brunida. (SANTOS, et al, 2008)
O sítio de Corça 2 integra-se neste tipo de contexto. Fossas de perfil oval escavadas no substrato geológico. Levanta-se a hipótese de as mesmas, uma primeira fase funcional de armazenamento de bens alimentares e/ou lixos, terem sido usadas funcionalmente como sepulturas, após terem sido desactivadas e preenchidas por sedimentos. Outra hipótese, menos redutora, seria a abertura das fossas a fim de as utilizar como sepulcros. Claro está que levantar esta hipótese levanta outras questões, tais como: porquê a utilização desta tipologia usualmente utilizada numa outra função, como a de armazenamento, ou, ainda, o porquê de só serem conhecidos enterramento em fossas em áreas repletas de outras fossas claramente utilizadas como estruturas de armazenamento? Uma solução prática ou provida de mais significado social?
O sepultamento em fossas tipo silo pode ser interpretado como um acontecimento menor? Conotado com sectores não dominantes da sociedade? O registo, escasso, certo, mostra-nos pouca evidência artefactual. A própria visibilidade é diminuta. O uso do objecto, acompanhados de características reveladoras de si e do que alberga, tão usado na busca da imortalidade e nas estratégias sociais, é pobre, logo, o inumado teria pouca relevância sócio-económica, para a sociedade em que se inseria ou esta seria pouco variada e rica em termos sócio-económicos.

Bibliografia:
• CARREIRA, J. R. (1994), “A Pré-História do Abrigo Grande das Bocas (Rio Maior)”, in Trabalhos de Arqueología da EAM, 2, Lisboa, Edições Colibri, pp. 47-144.

• GOMES, M. V., ET ALII. (1986), “A Necrópole da Vinha do Casão (Vila Moura, Algarve) no contexto da Idade do Bronze do Sudoeste Peninsular”, in Trabalhos de Arqueologia, 2, Lisboa, IPPC.

• GOMES, M. V., ET ALLI (1994), “A Necrópole de Alfarrobeira (S. Bartolomeu de Messines) e a Idade do Bronze no Concelho de Silves”, in Xelb, 2, Silves, Câmara Municipal de Silves.

• SANTOS, Filipe J. C.; AREZ, Luís; SOARES, António M. Monge; DEUS, Manuela de; QUEIROZ, Paula F.; VALÉRIO, Pedro; RODRIGUES; Zélia; ANTUNES, Ana Sofia; ARAÚJO, Maria de Fátima, “O Casarão da Mesquita 3 (S. Manços, Évora), um sítio de fossas “silo” do Bronze/Pleno Final na Encosta do Albardão”, Revista Portuguesa de Arqueologia, volume XI, nº 2, Lisboa, Igespar, 2008, pp. 55-86.

• SANTOS, Raquel; REBELO, Paulo; NETO, Nuno, “Neoépica, Ldª principais intervenções em 2008”, Al-Madan, 2ª série, nº 16, Almada, Centro de Arqueologia, 2009.

• SILVA, C. T. da, SOARES, J. (1978), “Uma jazida do Bronze Final na Cerradinha (Lagoa de Santo André, Santiago do Cacém), in Setúbal Arqueológica, Vol. IV, Assembleia Distrital de Setúbal, pp. 71-115.