Cerâmicas Medievais do Alto do Cidreira - Cascais

Poster apresentado no encontro O Garb Al-Ândalus - Problemáticas e Novos Contributos em Torno da Cerâmica. Organizado pelo Campo Arqueológico de Mértola, e realizado nos dias 15 a 16 de Maio de 2009 em Mértola.  

Localização e contexto

O conjunto cerâmico agora apresentado foi recolhido durante os trabalhos arqueológicos levados a cabo na Zona Especial de Protecção da villa romana do Alto do Cidreira, situada em Carrascal de Alvide, freguesia de Alcabideche, Concelho de Cascais, e localizada na Carta Militar de Portugal nº 429 – Cascais.

Esta é uma zona que apresenta vestígios de ocupação humana desde o Neolítico/ Calcolítico, com particular incidência na época romana. A época medieval está representada pela ermida de Nossa Sra. do Bom Sucesso e pelos silos agora identificados.

Os trabalhos de campo foram iniciados com a abertura de valas de diagnóstico mecânicas que cortaram o terreno, permitindo a obtenção da estratigrafia do local e a detecção expedita de possíveis vestígios arqueológicos, escavados manualmente em seguida. Os materiais em estudo correspondem à zona designada por Alto do Cidreira III, uma dos cinco áreas intervencionadas pela empresa NeoÉpica Lda. entre Abril e Novembro de 2007. Com a abertura das valas diagnóstico neste sector foram detectadas algumas interfaces de estruturas negativas escavadas no substrato geológico, as quais ditaram o alargamento da área sondada para cerca de 70m2, escavando-se manualmente as cinco interfaces aí identificadas.

Os silos

Todos os silos apresentam uma forma irregular com tendência circular e com perfis tendencialmente sub-hemisféricos de fundo plano, à excepção de um que apresenta perfil tipo saco.

Os silos [802], [803] e [804] foram, após o seu abandono, utilizados como lixeiras, surgindo material cerâmico pertencente a recipientes de armazenamento e confecção de alimentos e sobretudo material de construção como telha e tijolo. A par deste material surgiu ainda escasso material malacológico e osteológico. O silo [804] foi o que revelou um maior número de material arqueológico, surgindo inclusive junto ao fundo um enterramento de cão em conexão anatómica.

Os silos [805] e [806] foram, quase exclusivamente, preenchidos com pedras, algumas delas aparelhadas, indiciando apenas a preocupação de os encher o mais rápido possível, não revelando praticamente nenhum material arqueológico excepto alguns fragmentos de telha e tijolo.

As cerâmicas

No decurso da escavação manual dos cinco silos detectados no Alto do Cidreira III foram recolhidas cerca de cinco centenas de fragmentos cerâmicos, bem como material osteológico, malacológico e ainda algum espólio metálico em número reduzido. O registo de cerâmica romana é representado por fragmentos de terra sigillata africana e de terra sigillata Sud-Gálica, tratando-se de pequenos fragmentos em depósito secundário, possivelmente provenientes da villa romana situada nas proximidades. Da totalidade do espólio recolhido foram seleccionados para este estudo os 26 números de inventário referentes a cerâmica de cronologia medieval: dois conjuntos de telha, um composto por 16 fragmentos e outro por mais de 50, ambos com alguns elementos ostentando decoração penteada e digitada; um conjunto de mais de 50 fragmentos de tipologia indeterminada sem qualquer tipo de decoração; 9 fragmentos de tipologia indeterminável com decoração pintada; e os restantes correspondentes a peças de tipologia identificável, uma delas com decoração.

Em relação à tipologia dos materiais arqueológicos identificados, trata-se sobretudo de recipientes de cozinha, nomeadamente uma candeia, três cântaros, uma jarra, um jarro, sete panelas e cinco taças. Algumas destas peças ostentam pintura a branco, vermelho ou cinzento sobre engobe acastanhado.

No que diz respeito às cronologias, surgem cerâmicas datáveis desde o século IX até aos séculos X/XI. Destacam-se uma panela de bojo globular com bordo extrovertido, com paralelo em Palmela em níveis datáveis do século IX/X, sete fragmentos de recipientes decorados com bandas horizontais, verticais e ondulantes, pintadas a branco ou vermelho, integrados também em Palmela em contextos idênticos, referentes aos séculos IX e X (FERNANDES, 2004, p.184); também um fragmento com decoração em tons de cinzento, com paralelos a partir de meados do século XI no Algarve oriental (CATARINO, 1998, Vol. II, p.824) e em Silves, com datações que recuam aos séculos VIII e IX (GOMES R. V., 1988, p.90-92). Com excepção de um cântaro, todos os outros fragmentos pintados se resumem a fragmentos amorfos cuja tipologia não foi possível identificar, com cronologias que remontam possivelmente aos séculos IX e X.

Conclusões

Os vestígios de materiais de tradição islâmica estão relativamente bem representados, embora a sua maioria não permita a identificação tipológica dos mesmos.

O seu enquadramento cronológico é difícil, uma vez que a totalidade do espólio cerâmico exumado é constituída por utensílios de utilização comum, de elaboração regional e de larga prevalência temporal. Podemos contudo situá-los, grosso modo, entre os séculos IX e XI.

O aparecimento de materiais de cronologia romana no interior dos silos deve-se à proximidade destes com a villa romana do Alto do Cidreira, que se desenvolve a Oeste do local alvo de intervenção.

A freguesia de Alcabideche, assim como as restantes que compõem o Concelho de Cascais é rica em vestígios de ocupação humana. Desde o Neolítico/Calcolítico e ao longo dos séculos, o Concelho foi intensamente ocupado, sendo a maior parte dos vestígios arqueológicos referentes a épocas mais recuadas. Neste cenário, o conjunto estudado apresenta-se relevante para a compreensão da influência islâmica na área de Cascais.

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